Gostaria de compartilhar com vocês um texto que produzi para a avaliação de um curso. Compartilho pois talvez seja útil. Abraços, Vanessa.
Deficiência Intelectual e Aprendizagem
Vanessa de Oliveira Dagostim Pires
O presente texto procura trazer algumas referências relativas ao tema “Deficiência
Intelectual e Aprendizagem”, contextualizando a educação especial inclusiva e uma
pequena linha do tempo do histórico de conceitos relacionados ao que hoje chamamos
de Deficiência Intelectual.
Conhecermos como esse termo foi sendo construído socio-historicamente
pode fazer-nos compreender os preconceitos, resistências e medos que alguns
docentes ainda possuem em relação a inclusão dos alunos com deficiência
intelectual nas escolas regulares. Por último, trazemos algumas informações
sobre o importante papel que as APAEs, referências de educação especial no
Brasil, assumem a partir dessa nova perspectiva educacional.
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
Dentro da perspectiva da educação especial inclusiva, é importante
entender um pouco mais sobre a inclusão de estudantes com deficiência
intelectual, pois esse grupo representa mais da metade dos alunos da educação
especial e especial inclusiva, segundo o Censo da educação de 2006.
Em 1968 a UNESCO conceitua o que hoje entendemos como Educação Especial:
“Os objetivos da Educação Especial destinada às crianças com deficiências
mentais, sensoriais, motoras ou afetivas são muito similares aos da educação
geral, quer dizer: possibilitar ao máximo o desenvolvimento individual das
aptidões intelectuais, escolares e sociais” (UNESCO, 1968, p. 12).
Já se observava, desde os anos 60, movimentos de inclusão de alunos com
deficiências, porém, eles ainda não se constituíam em um novo paradigma
educacional. Inicialmente, ainda se compreendia que a pessoa com deficiência é
que necessitava se encaixar, se adaptar, e não o sistema educacional. Em 1986 é
proposto por Madeleine Will, através do “Regular Education Iniciative”, a
inserção do aluno com deficiência na escola regular (nesse momento, se pensava
na inclusão “física” deste aluno), chamada de Integração.
Nos anos 90 dá-se o início do movimento de inclusão, onde é necessário
reconhecer as diferenças e adaptar o sistema à elas. Segundo Omote (1994), “ninguém
é deficiente apenas pelas qualidades que possui ou que deixa de possuir.
Uma pessoa só pode ser deficiente perante uma audiência que a considera, segundo
seus critérios como deficiente” (OMOTE, 1994, p. 07).
A partir da perspectiva da educação inclusiva, o currículo escolar deve
levar em conta a diversidade e deve ser, antes de tudo, flexível e passível de
adaptações, sem perda de conteúdo. Neste processo de educação inclusiva,
também tem um importante papel e avaliação. É um instrumento de busca de
construção, por isso funciona articulado com um projeto pedagógico que se
assume, que se crê e se efetua construtivamente.
Em relação ao papel do professor, a educação inclusiva deve levar em
conta que o professor é um mediador, assim como os colegas; este precisa estar
sensibilizado e capacitado (tanto psicológica quanto intelectualmente) para
“mudar sua forma de ensinar e adaptar o que vai ensinar” (Glat, 2007) para atender às necessidades
de todos os alunos, principalmente daqueles com maiores dificuldades de aprendizagem. –
Qualquer tentativa de inclusão deve ser analisada e avaliada em seus mais
diversos aspectos, a fim de termos a garantia de que esta será a melhor opção
para o indivíduo que apresenta necessidades especiais, segundo Correia (1997).
Questionamos, no entanto, de quem é o
papel de analisar e avaliar a e educação inclusiva? Existe espaço para as
pessoas com deficiência e necessidades escolares avaliarem essas práticas? Elas
têm voz? De que forma?
Definições sobre Deficiência Intelectual
Em relação à escolarização de pessoas com deficiência intelectual (DI),
Pires et al. (2022) afirmam que, historicamente, as pessoas com deficiência
intelectual passaram por muitos estigmas e preconceitos que podem ser
observados na própria nomenclatura utilizada para denominar tais sujeitos
(retardado, incapacitado, debilitado, louco, dentre outras).
Todas essas expressões trazidas em documentos científicos e legais
apontam para um posicionamento acerca da sociedade e as compreensões sobre
esses indivíduos. Apenas mais recentemente, a deficiência intelectual tem sido
abordada em termos científicos, a partir de um desenvolvimento neurológico
deficitário que envolve prejuízos cognitivos (funções intelectuais) e prejuízos
adaptativos (funções sociais, emocionais e práticas). Mesmo que não seja
possível uma reversão completa, é importante atentar que avanços escolares
significativos são possíveis através de estratégias pedagógicas adequadas,
considerando as peculiaridades do quadro da deficiência e a individualidade de
cada sujeito (SANTOS, 2012).
Ao falar sobre o termo “Deficiência Intelectual”, o novo nome veio para
substituir “Deficiência Mental”, em 2004, para não confundir a deficiência com
doença mental, por recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU), para
evitar confusões com “doença mental”, que é um estado patológico de
pessoas que têm o intelecto igual da média, mas que, por algum
problema, acabam temporariamente sem usá-lo em sua capacidade
plena.
Até 1992, a Deficiência intelectual era atestada conforme teste baixo de
QI; após essa data, passou-se a considerar Novo Sistema Baseado na Intensidade dos
Apoios Necessários, conceituando-se da seguinte forma pela AAIDD (Associação
Americana de Deficiências Intelectual e de Desenvolvimento): “É a incapacidade
caracterizada por importantes limitações, tanto no funcionamento intelectual
quanto no comportamento adaptativo e está expresso nas habilidades adaptativas
conceituais, sociais e práticas. Tem início antes dos 18 anos.”
Porém, na sua 12ª edição, no ano de 2021, a publicação que atualiza os estudos
e a definição de DI da AAIDD atualizou o conceito dessa deficiência, trazendo
um enfoque maior para os apoios necessários ao sujeito, e compreendendo que o
desenvolvimento humano ultrapassa os 18 anos de idade. Agora, a Deficiência
Intelectual é vista como uma deficiência do desenvolvimento, assim como o
Autismo ou Paralisia Cerebral, ou seja, são deficiências que surgem ao longo do
desenvolvimento do indivíduo (PLENA INCLUSIÓN, 2022).
Pela nova definição, a deficiência intelectual é:
Uma
limitação do funcionamento intelectual, ou seja, quando há dificuldades
para a compreensão e o raciocínio;
- Uma limitação de conduta
adaptativa, em temas como os conceitos, relações sociais ou práticas. Por
exemplo: há dificuldade em adaptar-se à mudanças que ocorrem na família,
no trabalho ou no mundo.
- Essas características se
manifestam antes dos 22 anos.
O modelo teórico multidimensional da AADID relaciona o funcionamento
individual no ambiente físico e social ao contexto geral, aos sistemas de apoio
e às cinco dimensões que são: habilidades intelectuais, comportamento
adaptativo, Participação, interações e papéis sociais, saúde e contextos.
Os apoios são recursos e as estratégias utilizadas, que visam promover o
desenvolvimento, a educação e o bem-estar de uma pessoa com deficiência
intelectual, e que melhoram o funcionamento individual. Quando necessários e
devidamente aplicados, os apoios desempenham papel essencial na forma como a
pessoa responde às demandas ambientais, além de propiciarem estímulo ao
desenvolvimento e à aprendizagem da pessoa com deficiência intelectual ao longo
da vida. A intensidade e frequência dos apoios podem variar, podendo ocorrer
ocasionalmente ou por toda a vida.
Deficiência intelectual e ensino
Tratando-se de sujeitos com deficiência intelectual é fundamental que o
ensino seja organizado de forma que a leitura, escrita, capacidades matemáticas
e outros conteúdos sejam trabalhados a partir das necessidades dos aprendizes,
ou seja, o ensino deve desenvolver-se como algo relevante na vida, deve
ter significado, a fim de que seja incorporado na formação social da
mente (VYGOTSKY, 1996).
Também é fundamental entender que, atentar apenas para os aspectos
orgânicos da deficiência mental é desconsiderar os aspectos sociais e
isentar a sociedade de sua responsabilidade na constituição da deficiência intelectual.
Muitos professores não se sentem preparados para atender o aluno com
deficiência intelectual e isso gera muitas críticas às formações dos professores;
porém, é preciso ir além da crítica à formação docente, pois as críticas já se
tornaram lugar comum e não garantem, por si só, a mudança almejada, segundo
Carvalho (2007). O autor também acredita que é esta inquietação que nos faz
avançar.
O papel
da educação especial
Diante do novo cenário que se estabeleceu no Brasil, com o crescente
movimento da educação inclusiva, as APAEs precisaram reestruturar o seu papel
na sociedade.
Na sua nova estruturação, as APAES visam oferecer educação especial no
ensino infantil e fundamental, além de atenção complementar aos alunos com
deficiência intelectual de escolas inclusivas, oferecendo opções sociais de
apoio, conforme conceitua a AAIDD na nova concepção de deficiência intelectual.
Desta forma, a Associação Americana de Deficiência Intelectual e
Desenvolvimento (AADID) mostra-nos que, com os apoios personalizados
apropriados durante um determinado período de tempo, o funcionamento da pessoa
com deficiência intelectual, em geral, melhora. Isto significa que, se forem
providenciados apoios personalizados apropriados para um indivíduo com
deficiência intelectual, o resultado será uma melhora em seu funcionamento. Uma
ausência de melhora no funcionamento é um indicador importante para reavaliar o
perfil e a natureza dos apoios que foram utilizados.
Referências
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