24 de fev. de 2023

Deficiência Intelectual e Aprendizagem

 Gostaria de compartilhar com vocês um texto que produzi para a avaliação de um curso. Compartilho pois talvez seja útil. Abraços, Vanessa.

Deficiência Intelectual e Aprendizagem

 Vanessa de Oliveira Dagostim Pires

 

O presente texto procura trazer algumas referências relativas ao tema “Deficiência Intelectual e Aprendizagem”, contextualizando a educação especial inclusiva e uma pequena linha do tempo do histórico de conceitos relacionados ao que hoje chamamos de Deficiência Intelectual.

Conhecermos como esse termo foi sendo construído socio-historicamente pode fazer-nos compreender os preconceitos, resistências e medos que alguns docentes ainda possuem em relação a inclusão dos alunos com deficiência intelectual nas escolas regulares. Por último, trazemos algumas informações sobre o importante papel que as APAEs, referências de educação especial no Brasil, assumem a partir dessa nova perspectiva educacional.

 

Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva

 

Dentro da perspectiva da educação especial inclusiva, é importante entender um pouco mais sobre a inclusão de estudantes com deficiência intelectual, pois esse grupo representa mais da metade dos alunos da educação especial e especial inclusiva, segundo o Censo da educação de 2006.

 

Em 1968 a UNESCO conceitua o que hoje entendemos como Educação Especial: “Os objetivos da Educação Especial destinada às crianças com deficiências mentais, sensoriais, motoras ou afetivas são muito similares aos da educação geral, quer dizer: possibilitar ao máximo o desenvolvimento individual das aptidões intelectuais, escolares e sociais” (UNESCO, 1968, p. 12).

 

Já se observava, desde os anos 60, movimentos de inclusão de alunos com deficiências, porém, eles ainda não se constituíam em um novo paradigma educacional. Inicialmente, ainda se compreendia que a pessoa com deficiência é que necessitava se encaixar, se adaptar, e não o sistema educacional. Em 1986 é proposto por Madeleine Will, através do “Regular Education  Iniciative”, a inserção do aluno com deficiência na escola regular (nesse momento, se pensava na inclusão “física” deste aluno), chamada de Integração.

 

Nos anos 90 dá-se o início do movimento de inclusão, onde é necessário reconhecer as diferenças e adaptar o sistema à elas. Segundo Omote (1994), “ninguém é deficiente apenas pelas qualidades que possui ou que deixa de possuir.  Uma pessoa só pode ser deficiente perante uma audiência que a considera, segundo seus critérios como deficiente” (OMOTE, 1994, p. 07).  

 

A partir da perspectiva da educação inclusiva, o currículo escolar deve levar em conta a diversidade e deve ser, antes de tudo, flexível e passível de adaptações, sem perda de conteúdo. Neste processo de educação inclusiva, também tem um importante papel e avaliação. É um instrumento de busca de construção, por isso funciona articulado com um projeto pedagógico que se assume, que se crê e se efetua construtivamente. 

 

Em relação ao papel do professor, a educação inclusiva deve levar em conta que o professor é um mediador, assim como os colegas; este precisa estar sensibilizado e capacitado (tanto psicológica quanto intelectualmente) para “mudar sua  forma de ensinar e adaptar o que vai ensinar”  (Glat, 2007) para atender às necessidades de  todos os alunos, principalmente daqueles com maiores dificuldades de aprendizagem.  –

 

Qualquer tentativa de inclusão deve ser analisada e avaliada em seus mais diversos aspectos, a fim de termos a garantia de que esta será a melhor opção para o  indivíduo que apresenta necessidades especiais, segundo Correia (1997).  Questionamos, no entanto, de quem é o papel de analisar e avaliar a e educação inclusiva? Existe espaço para as pessoas com deficiência e necessidades escolares avaliarem essas práticas? Elas têm voz? De que forma?

 

Definições sobre Deficiência Intelectual

 

Em relação à escolarização de pessoas com deficiência intelectual (DI), Pires et al. (2022) afirmam que, historicamente, as pessoas com deficiência intelectual passaram por muitos estigmas e preconceitos que podem ser observados na própria nomenclatura utilizada para denominar tais sujeitos (retardado, incapacitado, debilitado, louco, dentre outras).

Todas essas expressões trazidas em documentos científicos e legais apontam para um posicionamento acerca da sociedade e as compreensões sobre esses indivíduos. Apenas mais recentemente, a deficiência intelectual tem sido abordada em termos científicos, a partir de um desenvolvimento neurológico deficitário que envolve prejuízos cognitivos (funções intelectuais) e prejuízos adaptativos (funções sociais, emocionais e práticas). Mesmo que não seja possível uma reversão completa, é importante atentar que avanços escolares significativos são possíveis através de estratégias pedagógicas adequadas, considerando as peculiaridades do quadro da deficiência e a individualidade de cada sujeito (SANTOS, 2012).

 

Ao falar sobre o termo “Deficiência Intelectual”, o novo nome veio para substituir “Deficiência Mental”, em 2004, para não confundir a deficiência com doença mental, por recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU), para evitar confusões com “doença mental”, que é um estado patológico de pessoas  que têm o intelecto igual da média, mas que, por algum problema, acabam  temporariamente sem usá-lo em sua capacidade plena. 

Até 1992, a Deficiência intelectual era atestada conforme teste baixo de QI; após essa data, passou-se a considerar Novo Sistema Baseado na Intensidade dos Apoios Necessários, conceituando-se da seguinte forma pela AAIDD (Associação Americana de Deficiências Intelectual e de Desenvolvimento): “É a incapacidade caracterizada por importantes limitações, tanto no funcionamento intelectual quanto no comportamento adaptativo e está expresso nas habilidades adaptativas conceituais, sociais e práticas. Tem início antes dos 18 anos.”

 

Porém, na sua 12ª edição, no ano de 2021, a publicação que atualiza os estudos e a definição de DI da AAIDD atualizou o conceito dessa deficiência, trazendo um enfoque maior para os apoios necessários ao sujeito, e compreendendo que o desenvolvimento humano ultrapassa os 18 anos de idade. Agora, a Deficiência Intelectual é vista como uma deficiência do desenvolvimento, assim como o Autismo ou Paralisia Cerebral, ou seja, são deficiências que surgem ao longo do desenvolvimento do indivíduo (PLENA INCLUSIÓN, 2022).

 

Pela nova definição, a deficiência intelectual é:


  • Uma limitação do funcionamento intelectual, ou seja, quando há dificuldades para a compreensão e o raciocínio;
  • Uma limitação de conduta adaptativa, em temas como os conceitos, relações sociais ou práticas. Por exemplo: há dificuldade em adaptar-se à mudanças que ocorrem na família, no trabalho ou no mundo.
  • Essas características se manifestam antes dos 22 anos.

 

O modelo teórico multidimensional da AADID relaciona o funcionamento individual no ambiente físico e social ao contexto geral, aos sistemas de apoio e às cinco dimensões que são: habilidades intelectuais, comportamento adaptativo, Participação, interações e papéis sociais, saúde e contextos.

 

Os apoios são recursos e as estratégias utilizadas, que visam promover o desenvolvimento, a educação e o bem-estar de uma pessoa com deficiência intelectual, e que melhoram o funcionamento individual. Quando necessários e devidamente aplicados, os apoios desempenham papel essencial na forma como a pessoa responde às demandas ambientais, além de propiciarem estímulo ao desenvolvimento e à aprendizagem da pessoa com deficiência intelectual ao longo da vida. A intensidade e frequência dos apoios podem variar, podendo ocorrer ocasionalmente ou por toda a vida.

 


Deficiência intelectual e ensino

 

Tratando-se de sujeitos com deficiência intelectual é fundamental que o ensino seja organizado de forma que a leitura, escrita, capacidades matemáticas e outros conteúdos sejam trabalhados a partir das necessidades dos aprendizes, ou  seja, o ensino deve desenvolver-se como algo relevante na vida, deve ter  significado, a fim de que seja incorporado na formação social da mente  (VYGOTSKY, 1996).

 

Também é fundamental entender que, atentar apenas para os aspectos orgânicos da deficiência mental é desconsiderar os aspectos sociais e  isentar a sociedade de sua responsabilidade na constituição da deficiência intelectual.

Muitos professores não se sentem preparados para atender o aluno com deficiência intelectual e isso gera muitas críticas às formações dos professores; porém, é preciso ir além da crítica à formação docente, pois as críticas já se tornaram lugar comum e não garantem, por si só, a mudança almejada, segundo Carvalho (2007). O autor também acredita que é esta inquietação que nos faz avançar.

 


O papel da educação especial

Diante do novo cenário que se estabeleceu no Brasil, com o crescente movimento da educação inclusiva, as APAEs precisaram reestruturar o seu papel na sociedade.

Na sua nova estruturação, as APAES visam oferecer educação especial no ensino infantil e fundamental, além de atenção complementar aos alunos com deficiência intelectual de escolas inclusivas, oferecendo opções sociais de apoio, conforme conceitua a AAIDD na nova concepção de deficiência intelectual.

Desta forma, a Associação Americana de Deficiência Intelectual e Desenvolvimento (AADID) mostra-nos que, com os apoios personalizados apropriados durante um determinado período de tempo, o funcionamento da pessoa com deficiência intelectual, em geral, melhora. Isto significa que, se forem providenciados apoios personalizados apropriados para um indivíduo com deficiência intelectual, o resultado será uma melhora em seu funcionamento. Uma ausência de melhora no funcionamento é um indicador importante para reavaliar o perfil e a natureza dos apoios que foram utilizados. 

 

 

 

 

Referências Bibliográficas:

 

BAKSA, Carla Gimenes Lopes; SILVA, Sérgio da; SILVA, Débora Regina Machado. A DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NA ALFABETIZAÇÃO. Disponível em: https://atividadeparaeducacaoespecial.com/wp-content/uploads/2014/07/DM-NA-ALFABETIZA%C3%87%C3%83O.pdf Acesso em: 26 dez. 2022.

CORREIA, L. M. Alunos com necessidades educativas especiais nas classes regulares. Porto: Porto Editora, 1997.

FEDERAÇÃO DAS APAES DE MINAS GERAIS. INCLUSÃO SOCIAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E MÚLTIPLA: Educação Especial no Espaço da Escola Especial. Disponível em: https://docs.google.com/gview?url=http://cursosavante.com.br/cursos/pdf/1155-4550.pdf. Acesso em 26 dez. 2022.

GLAT, R. Adaptação Curricular, OLIVEIRA Eloiza da S. Gomes. 2007 Disponível em:  http://aceitandodiferencas.blogspot.com/2007/10/adaptaocurricular.html Acesso em 10 ago. 2008.

OMOTE, S. A integração do deficiente: um pseudoproblema? Anais da XXIV Reunião Anual da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto/SP, 1994.

PIRES, Vanessa de Oliveira Dagostim et al. A produção de um manual de leitura fácil para educadores. In: SILVEIRA, Resiane Paula de (Org). Perspectivas da Educação: História e Atualidades. Vol. 10. Formiga: Editora Uniesmero, 2022.

PLENA INCLUSION. Disponível em: https://www.plenainclusion.org/noticias/la-discapacidad-intelectual-tiene-una-nueva-definicion-y-la-explicamos/ Acesso em 26 dez. 2022

 

REIS, Rosangela Leonel dos.; ROSS, Paulo Ricardo. A inclusão do aluno com deficiência intelectual no Ensino. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/2216-8.pdf Acesso em 26 dez. 2022.

SANTOS, Angela Maria de. Abordagens sobre Deficiência Intelectual. Apresentação de slides. Curitiba, 2013. Disponível em: https://docs.google.com/gview?url=http://cursosavante.com.br/cursos/pdf/1155-4549.pdf Acesso em: 26 dez. 2022.

UNESCO. 1968. A educação Especial: Relatório sobre a situação atual e tendências de investigação da Europa.

VIGOTSKI, L. S. Fundamentos da defectologia (Obras escogidas), v. V. Madrid: Visos, 1996.

 

 

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