Lúcia JardimDireto de Paris
Vídeo-games com volume nas alturas, festas barulhentas toda a semana e, especialmente, iPods que não saem mais dos ouvidos são alguns dos fatores que provocam a surdez precoce e progressiva de um a cada cinco adolescentes ou jovens adultos. O alerta é do engenheiro acústico francês Christian Hugonnet, presidente da Semana do Som, encerrada em Paris na última sexta-feira.
"Não temos pesquisas conclusivas quanto a um número, mas o que é certo é que de 10 a 20% dos jovens já não escutam como deveriam para a sua idade", disse Hugonnet. "É preciso parar imediatamente com o hábito de escutar música alta nos fones de ouvido. Eles ficam próximos demais dos tímpanos, e provocam uma agressão forte e irreversível ao ouvido, que vai ficando cada vez mais preguiçoso, até que pára de trabalhar", explicou.
O especialista chama atenção para o perigo de uma ferramenta que começou na publicidade e se propagou por tudo o que diz respeito à acústica: a compressão do som, feita para que o menor dos ruídos em um comercial ou em uma música seja superior aos barulhos cotidianos, como os de trânsito. A intenção por trás do artifício sonoro é de que a voz que vende o produto, no filme publicitário, seja entendida mesmo quando disputada com os barulhos do dia-a-dia.
O problema é que a técnica se dissipou para outros ramos, inclusive para a música, e por conta disso o ser humano está cada vez menos capaz de perceber as nuances dos sons. A exposição contínua a essa deformação do som original danifica progressivamente o aparelho auditivo, causando a surdez precoce. Hugonnet se preocupa também com o futuro da música ao vivo - cada vez mais em baixa na França, onde hoje apenas 5% da população sabe tocar algum instrumento.
"É incomparavelmente mais saudável para os ouvidos escutar a música real do que as compressões em MP3 no iPod", afirma o engenheiro. "Vocês do Brasil estão muito melhor preparados neste sentido, mesmo que inconscientemente, já que lá tem música ao vivo até na rua", lembrou o francês, acenando para a intenção de promover uma Semana do Som no Brasil, "provavelmente no Rio de Janeiro".
Sons acima de 80 decibéis - equivalente a uma pessoa falando alto ou gritando - já devem causar preocupação, adverte Hugonnet. O tempo de exposição a altos volumes também precisa ser considerado na hora de prevenir problemas de ouvido. Escutar música em fones de ouvido por duas horas a 80 decibéis pode ser tão traumático para o aparelho auditivo quanto ouvir uma hora a 100 decibéis.iPod nos ouvidos
Nem que quisesse, o estudante Quentin (a lei francesa proíbe de publicar o nome completo de adolescentes), 13 anos, não poderia ouvir suas bandas preferidas neste volume em seu iPod. Para protegê-lo, sua mãe programou o aparelho para que a música não seja mais alta que os barulhos da rua.
"Para mim, está bom assim. Acho melhor me cuidar agora para não ter problemas desnecessários depois", explica o adolescente. A amiga dele, Clara, 13 anos, pensa diferente. Sem nenhuma preocupação com a surdez futura, a jovem escuta música altíssima, debocha dos jovens que ouvem som baixo e diz que não pensa em mudar de hábito.
"Provavelmente quando eu tiver uns 30 anos não vou mais querer ouvir iPod, então vou aproveitar bastante agora", argumenta.
O engenheiro Hugonnete, surpreso com o raciocínio da adolescente, alerta para a inutilidade de alguém passar a se preocupar com os níveis de som apenas a partir dos 30 anos de idade. "Será tarde demais. Os danos ao ouvido são irreversíveis. Hoje o jovem fala muito mais alto, às vezes na mesma altura que velhinhas surdas. A explicação para isso é simples: ele já não está mais escutando os sons baixos, e por isso passa a falar alto também."
As previsões para o futuro não são animadoras, conforme o especialista. "Daqui a 30 anos, todo o mundo que mora nas grandes cidades vai falar incrivelmente alto, para os padrões atuais - que já são mais altos que há 10 anos −, e o nosso ouvido não vai mais perceber nuances dos sons. Muita gente não vai nem saber diferenciar o som do piano em relação ao violino."
Redação Terra
Imagem: O Grito, de Edvard Munch.